Que poder emana do povo?

12/05/2020
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Certo mesmo estava Tom Jobim, o Brasil não é para amadores. Definitivamente, as situações que vivemos hoje não encontram precedentes na história. As escaladas de estupidez e violência de grupos apoiadores do governo e a falsa crença em moralismos, bom costume e da ameaça comunista, são provas cabais de que o reacionarismo fajuto, o anacronismo e a controversa concepção de valores são características atávicas no povo brasileiro.

 

Beira o ridículo ver como nos tornamos uma republiqueta desavergonhada e bestializada, toda a burocracia estatal está comprometida com esse projeto de destruição que nos leva ao nanismo global, ao som de gritos de “mito” e mugidos da boiada.

 

O povinho reacionário, o cidadão de bem, tornou a mostrar sua face violenta, agredindo aquilo que é diferente de seu entendimento raso. Violenta, pois está promovendo a criação de uma milícia privada, pela compra de cursos de formação armados. Violenta, pois está pedindo o golpe militar e o restabelecimento de um ato supressor de direitos como o AI-5.  Violenta, pois, a fim de ostentar seu suposto poderio, resolveu acampar em frente à Praça dos três poderes, uma tentativa clara de intimidação ao Judiciário e ao Legislativo. Aglomerações, contrariando as normas de saúde pública e, consequentemente, contrariando a própria lei, em seus artigos 267/268 do Código Penal.

 

A lógica desse povinho, do cidadão de bem, é totalmente binária, ou é isso, ou é comunista. Ou presta, ou não presta. Ou é a vida, ou a economia. Ou está com o mito, ou é comunista. Não possuem argumentos, não há espaço para debates, não estudam, desprezam a ciência e prestam o enorme desserviço ao país não vendo o quanto que as posições que defendem levarão o país à bancarrota.

 

Vemos nas redes sociais esses boçais bradando que todo o direito emana do povo, em clara alusão aos termos da Constituição Federal, mas se esquecem que a Constituição Federal de 88, promulgada por Ulysses Guimarães era justamente contrária aos arbítrios que uma ditadura militar representava. Contra a censura, contra o golpe. O poder emana do povo enquanto há democracia e para a democracia, essa troca perversa que estão tentando fazer colar, é um enviesamento totalmente distorcido das falas do velho Ulysses.

 

“Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. (Muito bem! Palmas prolongadas.) Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações, principalmente na América Latina. (Palmas.) (Trecho do discurso da Promulgação da Constituição, por Ulysses)

 

Essa população envergonha o instituto democrático ao qual apossam-se do lema, bem como colocam à disposição da tirania símbolos nacionais, como a bandeira do país. Hoje aqueles que hasteiam a flâmula, representam adesão a um projeto de genocídio de seus patrícios.

 

O povo não é, entretanto, o único culpado pela conjuntura. E o papel do empresariado então? O pior possível, pois foi o empresariado, associado à figura do presidente, que conseguiu introjetar a falsa dicotomia “saúde” ou “economia”. Passou a vigorar uma ideia de que é mais urgente para vender hambúrgueres e fazer carnês da Renner do que salvar a vida. Não entendem que uma restrição a curto prazo, leva, necessariamente, a um fim mais rápido desta pandemia e, portanto, uma possibilidade mais célere de retorno dos negócios!

 

E o governo, a passos largos joga o país no abismo da imoralidade, cuja inflexão será difícil de acontecer. O presidente agride abertamente as instituições e os três poderes, aparelha o que é público para, ou conceder benesses a seus familiares, ou defender seus filhos, que possuem relações escusas e mal explicadas com milícias. E não apenas isso, leva o país ao caos propondo reaberturas e fomentando protestos, num momento em que temos contágio ascendente e níveis nunca antes registrados de mortes por um vírus de altíssima proliferação. Bolsonaro atenta contra a vida daqueles que ele jurou proteger, especialmente contra a vida daqueles que votaram nele e que acreditam em suas mentiras.

 

Nosso Ministro da Saúde? Omisso e prolixo. Descumpre o juramento fundamental de defender vidas. Paulo Guedes? Causa enorme rebuliço com suas propostas: quando não sugere a possibilidade de suspensão de salários por 4 meses e um microvoucher de R$200, promove a humilhação do povo com sua uma operação ineficiente de pagamento vale. São vários dias em que as pessoas não conseguem sacar seu dinheiro, sujeitam-se a enormes filas, isso quando não passam o desalento de estarem em “revisão”, sem previsão da data de concessão do benefício.

 

Nosso Chanceler? Uma vergonha, um homem lunático que não tem a menor noção de patriotismo, só de seu vira-latismo terceiro-mundista. Ao mesmo tempo que deliberadamente causa instabilidades regionais, somente reforça sua sujeição aos EUA. Vale lembrar que nem mesmo os EUA querem saber do Brasil, já estudam a imposição de restrições a ida de brasileiros ao país, por motivos de descuido com a saúde público (logo o Trump quer dizer isso? Os EUA possuem 1/3 dos casos de COVID no mundo).

 

Sérgio Moro? Caiu atirando, mas agora vive na insegurança, denuncia os atos do presidente e se auto incrimina por prevaricação? Weintraub? Twittes racistas, cheios de erros e que nada contribuem para o país, retirando o fator social que a educação tem que atingir.

 

A própria grande mídia, que tanto auxiliou o desmanche da ordem vigente, apoiando, sim, a eleição de um governo despreparado e tirânico, bem como todos os grandes arbítrios de nossa história recente, hoje se vê acuada, diminuída e calada aos berros presidentes.

 

Bolsonaro passará, mas as chagas de sua incompetência e imbecilidade, que estão levando o país tanto à ruína, quanto à guerra civil, ficarão. O poder emana do povo para a democracia, nunca para esta barbárie.

 

Chega de notas de repúdio, é necessário ação para barrar este genocida.

 

- Davi Spilleir é Mestre em Sustentabilidade, pesquisador de Economia Solidária pelo CIRIEC e pela ABPES.

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/206487

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