Para que serve uma empresa pública?

12/11/2015
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Foto: Ministério do Planejamento/PAC trabajador
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Um fato pouco estudado na reestruturação dos sistemas industriais nacionais no período que se seguiu a Segunda Guerra Mundial foi o papel das grandes empresas públicas como elementos centrais na execução da política de reconstituição da indústria europeia.

 

Ainda que esse elemento fosse combatido pelos oficiais americanos que supervisionaram o período inicial da execução do plano, as empresas públicas e as estatizações se proliferam no Pós-Guerra e, nas décadas seguintes, empresas como a Ente Nazzionale de Idrocarburi, Enterprise de Recherche et d’Activitês Pétrolières, Deutsche Erdoel AG (DEA) e a ÖsterreichischeMineralölverwaltung (ÖMV), entre outras, passaram a ter um papel ativo na organização dos sistemas de empresa fornecedoras da indústria do petróleo e a constituir a base de capacitação de um conjunto nacional de pequenas e médias empresas europeias.

 

Mesmo que de forma reativa, isto é, motivada muito mais pelas carências estruturais da situação da maior parte dos países industrializados após a Guerra Mundial do que por convicções políticas, o fato é que as grandes empresas públicas se tornaram os elementos centrais na defesa e na criação de competitividade de uma parte significativa dos sistemas industriais nacionais na segunda metade do século 20.

 

Estas empresas não só procuravam regular a oferta interna dos insumos industriais básicos e fornecer a infraestrutura industrial, como organizavam também uma vasta cadeia de pequenas e médias empresas.

 

Suas decisões estratégicas definiam assim eixos de política industrial através de suas decisões de compra, capacitação de fornecedores, investimentos em parcerias para desenvolvimento tecnológico, et cætera.

 

Desse modo, o fato histórico é que as grandes empresas públicas foram talvez as estruturas de maior relevância no planejamento, gestão e execução das políticas industriais dos países desenvolvidos durante a criação e consolidação de importante setores da chamada terceira revolução industrial.

 

Mesmo que a onda posterior de privatizações tenha desmontado alguns desses sistemas industriais, até agora a proposta liberal não conseguiu produzir estruturas institucionalmente equivalentes que tenham se demonstrado tão eficazes na execução da ideia de política industrial construída no Pós-Guerra quanto as empresas públicas – com maior visão estratégica de mais longo prazo e menos sujeitas a capturas do que as agências reguladoras.

 

Justamente por estarem inseridas diretamente na concorrência intercapitalista, as grandes empresas públicas têm uma maior capacidade de alterar o equilíbrio de forças, favorecendo a inserção competitiva das empresas nacionais. Portanto, o que se deve esperar de uma empresa pública?

 

A Petrobrás iniciou nos anos 2000 a constituição de um plano estratégico baseado na missão de conquista do Pré-Sal, que envolvia não só alcançar grandes metas de produção em águas profundas, como, através do Prominp, ampliar e criar setores industriais tecnologicamente dinâmicos e com grandes possibilidades de inserção de empresas nacionais.

 

Em especial, um conjunto amplo de médias e pequenas empresas fornecedoras nos processos de EPC e envolvidas na política de conteúdo local.

 

Uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia da Universidade Estadual de Campinas (1) em um conjunto de grandes empresas do setor de máquinas e equipamentos ligadas à cadeia produtiva petroleira forneceu um bom retrato dos efeitos da Petrobrás sobre o sistema industrial brasileiro: das empresas entrevistadas, cerca de 80% revelaram que sua inserção como fornecedora da Petrobrás significou a introdução de novos produtos e serviços; cerca de 70% das empresas afirmaram que a relação com a Petrobrás também significou o aumento das vendas para outros clientes, a contratação de novos funcionários e a modernização de processos produtivos.

 

Aproximadamente metade das empresas declararam que ampliaram seus gastos em P&D em razão dos contratos com a Petrobrás, e ainda cerca de 20% das empresas iniciaram processos de internacionalização a partir da atuação como fornecedora da Petrobrás.

 

Vale também ressaltar que os principais impactos se revelaram justamente nos setores de bens de capital, cuja dinamização tem importantes efeitos de encadeamento e em fornecer ganhos de produtividade para o restante do sistema industrial.

 

A relação entre Petrobrás e fornecedores ainda é permeada por empresas de serviço industrial, como engenharia de projeto e detalhamento, permitindo a inserção não só de empresas industriais, como o desenvolvimento de atividades de serviço com alto conteúdo tecnológico.

 

De modo geral, o sistema de empresas públicas foi ao longo do século 20 o principal fator de consolidação de sistemas nacionais de pequenas e médias empresas com competitividade internacional.

 

A contradição entre grandes empresas e pequenas e média é, na maioria dos casos, apenas aparente; via de regra, países com grandes empresas nacionais – sobretudo públicas – possuem sistemas robustos de pequenas e médias empresas.

 

Isso porque as estratégias de crescimento das grandes empresas estatais serviram ao longo do desenvolvimento capitalista de suporte à expansão das atividades das pequenas e médias empresas nos casos de maior êxito.

 

No caso da Petrobrás, os levantamentos realizados nas empresas vinculadas ao Prominp demonstram efeitos significativos na ampliação da produção, capacitação tecnológica e geração de empregos.

 

Assim como seus pares, a Petrobrás vem se tornando um ponto de suporte para o sistema de pequenas e médias empresas brasileiras, que, vale lembrar, respondem por cerca de 60% do emprego nas regiões metropolitanas e por cerca de 25% do PIB, e são geralmente o elo mais fraco da indústria nacional.

 

Notas

 

(1)SARTI, F.; HIRATUKA, C. & ROCHA, M.A. Desenvolvimento tecnológico e competitivo dos fornecedores da Petrobrás no setor de máquinas e equipamentos: oportunidades e desafios. In: NEGRI, J. A. (org.). Poder de Compra da Petrobrás: Impactos econômicos nos seus fornecedores. Brasília: Ipea, vol. 2, 2011.

 

- Marco Antonio Rocha é professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT-IE/Unicamp)

 

Conteúdo especial do projeto do Brasil Debate e SindipetroNF – Diálogo Petroleiro

 

http://brasildebate.com.br/para-que-serve-uma-empresa-publica/#sthash.VbfmW5Ld.dpuf

https://www.alainet.org/pt/articulo/173588
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