Apocalipse agora

11/12/2009
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O fim do mundo sempre me   pareceu algo muito longínquo. Até um contrassenso. Deus haveria de  destruir  sua Criação? Hoje me convenço de que Deus nem precisa mais  pensar em novo  dilúvio. O próprio ser humano começou a provocá-lo,  através da degradação da  natureza.
 
Os bens da Terra  tornaram-se posse privada de empresas  e oligopólios. A causa de 4  bilhões de seres humanos viverem abaixo da linha  da pobreza, e 1,2  bilhão padecer fome, é uma só: toda essa gente foi impedida  de acesso  à terra, à água, à semente, às novas técnicas de cultivo e aos   sistemas de comercialização de produtos.
 
A decisão dos  EUA e da  China de ignorarem a Conferência de Copenhague sobre Mudanças  Climáticas torna  mais agônico o grito da Terra. Os dois países são os  principais emissores de  CO2 na atmosfera. São os grandes culpados pelo  aquecimento global. Ao  decidirem boicotar Copenhague e adiar o  compromisso de reduzirem suas  emissões, eles abreviam a agonia do  planeta.
 
Felizmente, a 25 de  novembro o presidente Obama,  sob forte pressão, voltou atrás e desdisse o que  falara em Pequim. Os  EUA, responsáveis por 23% das emissões mundiais de CO2,  prometerá em  Copenhague reduzir, até 2020, 17% das emissões de gases de efeito   estufa; 30% até 2025; e 42% até 2030.
 
Por que o recuo?  Além da  pressão dos ecologistas, Obama deu-se conta de que ficaria mal  na foto ignorar  Copenhague e comparecer em Oslo, dia 10 de dezembro –  quando se comemora o 61º  aniversário da Declaração Universal dos  Direitos Humanos – para receber o  prêmio Nobel da Paz. Portanto, na  véspera estará na capital da  Dinamarca.
 
Curioso, todos os  prêmios Nobel são entregues em  Estocolmo, exceto o da Paz. Por uma  simples e cínica razão: a fortuna da  Fundação Nobel, sediada na  Suécia, resulta da herança do inventor da dinamite,  Alfred Nobel  (1833-1896), utilizada como explosivo em guerras. Como não teve   filhos, Nobel destinou os lucros obtidos por sua patente a quem se  destacar em  determinadas áreas do saber.
 
Há uma lógica  atrás da posição  ecocida dos EUA e da China. São dois países  capitalistas. O primeiro, abraça o  capitalismo de mercado; o segundo,  o de Estado. Ambos coincidem no objetivo  maior: a lucratividade, não a  sustentabilidade.
 
O capitalismo,  como sistema, não tem  solução para a crise ecológica. Sabe que medidas de  efeito haverão de  redundar inevitavelmente na redução dos lucros, do  crescimento do PIB,  da acumulação de riquezas.
 
Se vivesse hoje,  Marx haveria  de admitir que a crise do capitalismo já não resulta das  contradições  das forças produtivas. Resulta do projeto tecnocientífico que   beneficia quase que exclusivamente apenas 20% da população mundial.  Esse  projeto respalda-se numa visão de qualidade de vida que coincide  com a  opulência e o luxo. Sua lógica se resume a “consumo, logo  existo”. Como dizia  Gandhi, "a Terra satisfaz as necessidades de  todos, menos a voracidade dos  consumistas".
 
Exemplo disso  é a recente crise financeira. Diante  da ameaça de quebra dos bancos,  como reagiram os governos das nações ricas?  Abasteceram de recursos as  famílias inadimplentes, possibilitando-as de  conservar suas casas?  Nada disso. Canalizaram fortunas – um total de US$ 18  trilhões - para  os bancos responsáveis pela crise. Eduardo Galeano chegou a  pensar em  lançar a campanha “Adote um banqueiro”, tal o desespero no   setor.
 
O planeta em que vivemos já atingiu os seus  limites  físicos. Por enquanto não há como buscar recursos fora dele. O  jeito é  preservar o que ainda não foi totalmente destruído pela  ganância humana, como  as fontes de água potável, e tentar recuperar o  que for possível através da  despoluição de rios e mares e do  reflorestamento de áreas desmatadas.  
 
Ecologia vem do  grego "oikos", significa casa, e "logos",  conhecimento. Portanto, é a  ciência que estuda as condições da natureza e as  relações que entre  tudo que existe - pois tudo que existe co-existe,  pré-existe e  subsiste. A ecologia trata, pois, das conexões entre os  organismos  vivos, como plantas e animais (incluindo homens e mulheres), e o  seu  meio ambiente.
 
Essa visão de interdependência entre todos os   seres da natureza foi perdida pelo capitalismo. Nisso ajudou uma  interpretação  equivocada da Bíblia - a ideia de que Deus criou tudo e,  por fim, entregou aos  seres humanos para que "dominassem" a Terra.  Esse domínio virou sinônimo de  espoliação, estupro, exploração. Os  rios foram poluídos; os mares,  contaminados; o ar que respiramos,  envenenado.
 
Agora, corremos  contra o relógio do tempo. O  Apocalipse desponta no horizonte e só há uma  maneira de evitá-lo:  passar do paradigma de lucratividade para o da   sustentabilidade.
 
 
- Frei Betto é escritor, autor do  romance “Um  homem chamado Jesus”, lançamento da editora Rocco para o  Natal  2009.
 
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