Paradoxos da urgência de vacinas na América Latina

A América Latina, a região mais desigual do mundo, não estava e nem está em condições de fornecer as respostas exigidas pela emergência sanitária e as suas repercussões sociais.

10/03/2021
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Foto: Giulian Serafim/PMPA
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Num momento em que a América Latina é tão duramente afetada pela Covid-19, assim como os Estados Unidos e a Europa, Jean-Jacques Kourliandsky, diretor do Observatório da América Latina da Fundação Jean Jaurès, volta-se às debilidades estruturais da maioria dos países latino-americanos, que podem explicar a ineficácia ou até mesmo a falta de estratégia governamental para lidar com a epidemia. Ele analisa os paradoxos com os quais estes Estados são atualmente confrontados no que diz respeito à política de vacinação a ser implementada.

 

 

Vacinar para derrotar o coronavírus evidencia “bom senso sanitário”, econômico e social. Isto é verdade tanto na América Latina quanto na França e em outros lugares. Isso, no entanto, é mais sensível na América Latina do que no mundo desenvolvido, que dispõe de meios para enfrentar a crise, inclusive mais do que a África, que tem sido relativamente poupada até agora, com exceção da África do Sul.

 

A América Latina, juntamente com os Estados Unidos e a Europa, é, com efeito, a região do mundo mais afetada pela pandemia. Mas o é duplamente, uma vez que, para além do impacto do coronavírus, os países desta zona continental que sofrem com o subdesenvolvimento encontram-se encurralados por uma doença que satura os seus sistemas de saúde, cria pobreza confinando a precariedade e joga na deriva certos governos quanto a suas orientações éticas e cívicas.

 

I – Primeiro paradoxo: uma pandemia presente tanto na periferia da América Latina quanto no mundo desenvolvido

 

Em meados de Janeiro de 2021, foram registradas 550.000 mortes na América Latina. Mais de 600.000 na Europa e 400.000 nos Estados Unidos [1]. Em outras palavras, praticamente todos os Estados das regiões mencionadas foram afetados. Na América Latina, que é objeto desta nota, lamentamos mais de 220.000 [2] vítimas no Brasil, 155.000 no México, 50.000 na Colômbia, 47.000 na Argentina, 40.000 no Peru, 23.000 no Chile e 14.600 no Equador [3], sem que as sucessivas ondas de coronavírus mostrem sinais de retenção de seus danos. Alguns especialistas acreditam que a América Latina permaneceu presa na primeira onda.

 

Ao mesmo tempo, a pobreza e a subnutrição seguiram uma curva ascendente. Tal curva apagou grande parte da trajetória social dos anos 2000-2016. Segundo a CEPAL (Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e as Caraíbas), a pobreza na América Latina aumentou 7,1% em 2020 e a pobreza extrema 4,5%. Se 37,3% da população “continental” é, hoje, pobre, e 15,5% vive em situação de extrema pobreza, o abandono social foi mais pronunciado em relação às crianças, que são 51,3% dos que vivem em pobreza monetária [4]. Em particular, no Peru, tomado aqui como exemplo, 5 milhões de pessoas em 2020 decaíram para uma situação de emergência monetária e alimentar [5]. A taxa de pobreza de rendimentos neste país aumentou de 20% para 32% entre dezembro de 2019 e dezembro de 2020.

 

“A nossa região”, comentou a Diretora da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde) Carissa Etienne, “não consegue controlar o coronavírus [6]”. O paradoxo de uma pandemia que afeta ricos e pobres deve, de fato, ser relativizado. O impacto da doença e os seus efeitos sociais não são os mesmos em Paris e em Lima. A América Latina, a região mais desigual do mundo, não estava e nem está em condições de fornecer as respostas exigidas pela emergência sanitária e as suas repercussões sociais.

 

As despesas de saúde em 2014, antes da irrupção da pandemia, dão a dimensão diferencial desta lacuna de que se discute. Os Estados membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) gastaram uma média de 12,5% do seu PIB em despesas de saúde naquele ano; os da América Latina gastaram 7%. Em média, porque alguns deles estavam abaixo deste denominador comum — a Guatemala, o México, o Peru, a Venezuela [7]. Além disso, a estatística inclui os compromissos dos setores público, sem fins lucrativos, e privado, construídos com base no lucro. O reembolso em vigor no setor privado representava, em 2014, 40% do total no México e 48% nas Honduras e na Venezuela [8]. A despesa per capita em saúde pública em 2017 confirma o fosso entre os países desenvolvidos face aos países da América Latina.

 

No Norte, 3.585 dólares para a França, 3.383 para o Canadá, 3.330 para o Reino Unido; na América Latina, 2.195 para Cuba, 1.220 para o Uruguai, 992 para a Argentina, 594 para o Brasil [9]. Algumas semanas antes da irrupção da pandemia, a revista peruana Caretas publicou um dossiê valorizando a tendência privilegiada então por muitos governos latino-americanos do elogio aos méritos dos cuidados de saúde privados, em comparação com as deficiências do sistema público [10]. As reportagens difundidas pelos meios de comunicação social, algum tempo depois, mostraram a extensão e as consequências concretas de um déficit estrutural sanitário e social, que foi assumido pelas “elites” destes países: aquelas no Brasil, no Equador, no México, no Peru, de hospitais superlotados, de falta de medicamentos e de tanques de oxigênio, de pessoas mortas abandonadas nas ruas. Mas poderíamos esperar outra coisa, a não ser essa visão de uma “vulnerabilidade social” [11] que ultrapassa as capacidades dos Estados, governos e “elites” [12], todos estes herdeiros de culturas com déficits sociais e políticos coletivos, bem conhecidos e inventariados por economistas, sociólogos e políticos? “Na América Latina”, escreveu Thomas Piketty, “observamos taxas de impostos públicos entre 15 e 20% do rendimento nacional, inferiores às observadas nos países ricos, […] uma situação preocupante na medida em que o processo de construção de um Estado fiscal e social foi, nos países desenvolvidos, um elemento essencial […] de desenvolvimento” [13].

 

As medidas de barreira e confinamento tomadas pela maioria dos governos — com exceção do México, Nicarágua e especialmente do Brasil — não conseguiram, pelas mesmas razões, inverter as curvas de morte. Os recursos financeiros disponibilizados para ajudar as empresas que foram fechadas não cobriram a carência decorrente. Alguns trabalhadores, tais como os das maquiladoras mexicanas, foram vistos pelos seus governos, sob pressão dos Estados Unidos, como necessários para manter um setor vital em funcionamento. O trabalho informal, correspondente a 51% dos empregos em 2019, segundo a CEPAL (37% do emprego no Peru, 42% na Colômbia, 53% no Brasil, 62% na Argentina) [14], não permitiu o respeito às medidas de contenção e de barreira ao avanço da pandemia. Na ausência de cobertura da segurança social e de rendimentos regulares, os “informais” continuaram a trabalhar, de modo a não morrer de fome [15]. A Argentina, o Peru e, durante alguns meses, o Brasil pagaram uma compensação que supostamente permitiria a estas pessoas permanecerem em casa. Estas contribuições em caráter de auxílio emergencial, bem-vindas, mas ainda insuficientes, foram vistas como complementares, mas não “secaram” a presença de informais nas ruas. Além disso, devido à falta de contas bancárias, os beneficiários deste auxílio fizeram filas de espera, filas que eram propícias à propagação do vírus, em frente das agências autorizadas a pagá-las. Um dado revelador desta realidade é que, no Chile, a idade média das pessoas infectadas é de 38 anos, por exemplo. As vítimas, ao contrário dos países desenvolvidos, são jovens adultos, expostos à doença por razões de luta pela subsistência [16].

 

II – Segundo paradoxo: a vacina, um remédio universal, com acesso restrito

 

Num contexto tal como o que tem sido avaliado, só o recurso massivo e rápido à vacinação é suscetível de permitir um regresso à saúde e à normalidade social. “Contar com a vacina”, disse AMLO, Andrés Manuel Lopez Obrador, Presidente do México, “é, em última análise, o mais importante, o que nos trará segurança” [17]. Deve acrescentar-se que a vacina é igualmente necessária para uma recuperação econômica, e, com ela, a recuperação de empregos. Luis Carranza, presidente da CAF – Banco de Desenvolvimento latino-americano, fez esta observação como muitos outros, nestes termos: “Um atraso na vacinação criaria um risco para a América Latina” [18]. Outras declarações de conteúdo equivalente feitas pelos chefes de Estado e de governo da Europa, do Canadá e dos Estados Unidos poderiam ser citadas. O julgamento sobre a urgência da vacina é universal. No entanto, do acesso à vacina não se pode dizer o mesmo.

 

Encomendas feitas a várias empresas farmacêuticas mostram um fosso entre “ocidentais” e latino-americanos. Países de alto rendimento, representando 1 bilhão e 236 milhões de pessoas, compraram 4 bilhões e 198.000 milhões de doses [19]. Os países infectados de rendimento médio e baixo, representando 3 bilhões e 500 milhões de pessoas, conseguiram fazer encomendas para 1 bilhão e 813 milhões de doses.

 

Vários governos, da Argentina, da Costa Rica e do México, expressaram preocupação e expectativas de distribuição equitativa, considerando a vacina contra a Covid-19 como um bem público global, que requer uma gestão não comercial. Esta preocupação foi parcialmente abordada pelas Nações Unidas, que criou um mecanismo de acesso universal, à chamada Covax Facility [20]. A opção de suspensão de patentes, conhecida como licença obrigatória, devido a uma situação de emergência, foi paralelamente colocada pela África do Sul e pela Índia perante a OMS, em 9 de dezembro de 2020. Uma abordagem a priori consistente com a situação, já utilizada no passado para fabricar medicamentos contra a AIDS a preços acessíveis.

 

No entanto, rapidamente provou ser ilusória, pois a sua viabilidade exigia competências e infraestruturas que os chamados países do sul não possuem. “O Brasil”, comentou o professor de bioética da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Reinaldo Guimarães, “não teria a capacidade técnica para produzir estas vacinas, especialmente as do tipo Moderna e Pfizer”. Além disso, as vacinas Moderna e Pfizer [21] requerem um armazenamento a -80 graus centígrados, uma capacidade que não é comum mesmo nas principais cidades da América Latina [22].

 

Conscientes do peso das negociações e da superior capacidade financeira dos países desenvolvidos, das restrições à exportação impostas pela Comissão Europeia à fábrica belga do laboratório AstraZeneca, que abastece especialmente o México, e da necessidade de agir rapidamente, vários estados latino-americanos permitiram que quase todas as empresas farmacêuticas do “primeiro mundo” realizassem testes nos seus respectivos territórios [23], tal como observado em artigo que publiquei neste canal antes.

 

Fizeram-no através da diversificação da sua base de fornecedores, alcançando a China, Índia e Rússia. Deve se dizer, a julgar pela suspensão das negociações entre a Pfizer e os governos da Colômbia e do Peru, tal como declarado no comunicado de imprensa do Ministério da Saúde brasileiro de 23 de janeiro de 2021, que os contratos propostos eram particularmente exorbitantes. Isto levou estes países, já convencidos de que só teriam acesso a vacinas “ocidentais” no final da lista, a procurarem fornecedores alternativos. A China e a Rússia responderam positivamente e foram os primeiros a fazer entregas na Argentina, no México, passando pelo Chile e pelo Peru. O Peru, por exemplo, comprou 38 milhões de doses da Sinopharm (China), 14 milhões da AstraZeneca e 13,2 milhões da Covax Facility. Esta via alternativa para aqueles que a escolheram provou ser relevante. Tem contornado com sucesso a captação “ocidental” de doses produzidas por empresas farmacêuticas norte-americanas e britânicas.

 

A vacinação começou nestes países no final de dezembro de 2020 e em janeiro de 2021 [24]. A Colômbia, após favorecer inicialmente as empresas ocidentais, anunciou um contrato com o Sinovac da China em 20 de dezembro de 2020. As primeiras vacinas deveriam ser entregues no dia 15 de fevereiro de 2021.

 

III – Terceiro paradoxo: uma vacina política tanto quanto sanitária

 

Essa dupla implementação diferencial e competitiva da vacinação, no quadro da América Latina, com poucas doses ocidentais e muitas provenientes da China e da Rússia, atualizou um contexto que combina estreitamente política e saúde. A utilização geopolítica de vacinas da China e da Rússia tem sido acompanhada de perto pela Europa e pelos Estados Unidos. A qualidade dessas vacinas tem sido questionada [25]. É verdade que a China abriu um “crédito vacinal” de um bilhão de dólares para os países da América Latina. A Rússia organizou operações de prospecção diplomática, tais como a reunião realizada na sua legação guatemalteca com o Fundo Russo de Investimento Direto, que gere a fabricação da vacina Sputnik V pelo Gamaleïa [26]. Nada impedia os Estados Unidos e os europeus de fazerem o mesmo, proporcionando um acesso mais equitativo à vacina aos países da América Latina.

 

Os Estados ricos e os seus governos, com ou sem razão, privilegiaram a autossuficiência e a proteção exclusiva das suas populações. Num mercado mundial de vacinas muito restrito, impuseram regras de mercado e, com isso, a melhor oferta de entrega possível, criando a imagem de países em “disputa de vacinas” uns com os outros, antes de reabilitar as vacinas russas e chinesas em fevereiro de 2021, após terem votado contra a suspensão de patentes, pelos países do Sul, na OMS, em 9 de dezembro de 2020, e ameaçado a China e a Rússia, em dezembro de 2020 e janeiro de 2021, com sanções ligadas ao destino dos Uyghurs e do dissidente Alexei Navalny.

 

De modo pouco compreensível, os países da América Latina não procuraram coordenar os seus esforços para equilibrar suas forças. Cada um jogou a sua própria carta. Esta situação levantou questões que foram formuladas da seguinte forma por duas acadêmicas, argentina e brasileira, María Belén Herrero e Beatriz Nascimento: “O que está acontecendo com a cooperação latino-americana no domínio da saúde?” [27]. A resposta: não muita coisa, com a pequena exceção da Argentina e do México, que concordaram, em 12 de agosto de 2020, em partilhar a fabricação da vacina da AstraZeneca para toda a América Latina, exceto para o Brasil.

 

Finalmente, há aqueles que, por razões extra sanitárias – o Brasil, o México e a Colômbia – adiaram a tomada de decisões de proteção de suas populações. Nestes países, foi dada prioridade à manutenção da atividade econômica. Paradoxalmente, esta escolha, devido à falta de ajuda estatal suficiente para os mais expostos socialmente, foi uma resposta às expectativas alimentares dos mais pobres, o setor informal, que eram hostis ao confinamento. Face ao desastre sanitário, sendo o Brasil e o México, depois dos Estados Unidos, os países com o maior número de mortes, os seus governos tardaram em adotar medidas sanitárias e sociais. Mas há aqui algumas nuances.

 

No México, o governo terceirizou a compra de vacinas aos Estados federados, aos municípios e às empresas privadas desejosas de contribuir com seus fundos para a campanha de vacinação. Vale a pena notar aqui que o bilionário Carlos Slim cofinanciou o acordo da Argentina e do México com a AstraZeneca.

 

No Brasil, a vacina está em jogo nos debates eleitorais e ideológicos. O presidente Jair Bolsonaro tem manifestado repetida e publicamente as suas reservas relativas às medidas de barreira, contenção e vacinação, apesar das diversas interpelações judiciais. Na ausência de coordenação federal, cada Estado “inventou” a sua própria política anti-Covid. O Estado mais rico da federação, São Paulo, estabeleceu cooperação com o laboratório chinês Sinovac, que fabrica a vacina localmente. O governador de São Paulo, João Doria, opositor político do presidente e potencial candidato nas eleições presidenciais de 2022, enfrentou de imediato Jair Bolsonaro. Este, por sua vez, questionou a fiabilidade da vacina chinesa, que segundo ele e seus seguidores, era ideológica e eleitoralmente suspeita.

 

Em 21 de outubro de 2020, declarou: “a vacina chinesa não será comprada […] não queremos nenhuma interferência da ditadura chinesa” [28], e favoreceu a compra pelo Estado, mobilizando o exército na produção, de medicamentos apresentados como preventivos, mas de eficácia questionável [29], antes de finalmente assumir o controle da utilização da vacina chinesa, então aprovada por órgãos de saúde nacionais. Foi, portanto, muito tardiamente que foi autorizada a subvenção, não paga até 31 de janeiro de 2021, ao laboratório Butantan de São Paulo, um associado do Sinovac chinês.

 

Na Colômbia, a vacinação assumiu uma dimensão paradoxal em virtude das sanções exigidas e aplicadas pelas autoridades a respeito do vizinho venezuelano. A exclusão de toda vacinação dos 950.000 refugiados venezuelanos residentes na Colômbia foi anunciada em 21 de dezembro de 2020 pelo presidente Ivan Duque, que pediu a ajuda de todos aqueles que se mostraram solidários com os opositores do regime em vigor.

 

IV – Algumas conclusões provisórias

 

A pandemia do coronavírus é, ao contrário de muitas outras, uma infecção universal. A América Latina e os seus países de rendimento médio foram tão afetados quanto os Estados Unidos e os países europeus. Em ambos os casos, a vacinação é vista como a única forma de restabelecer a normalidade sanitária, econômica e social.

 

O uso da vacinação, bem como o tratamento hospitalar e as medidas de apoio social, confirmaram a assimetria entre países “centrais” ou desenvolvidos e países periféricos. A resposta da América Latina ao desafio universal da pandemia só poderia ser a de um subcontinente com um déficit de seu Estado de providência, estruturalmente pouco aberto à cultura do bem comum. Como território de desigualdades, a América Latina não tinha meios e não reagiu como os países “centrais” reagiram.

 

Sem infraestruturas econômicas, financeiras e sanitárias adaptadas ao desafio, os Estados e sociedades latino-americanas foram e são incapazes de enfrentar o dilema do confinamento, que preserva vidas X a necessidade de sobrevivência alimentar, que expõe os precários à doença. Neste contexto, a utilização de vacinas é de uma emergência existencial, ao contrário dos Estados desenvolvidos que têm os meios para lidar com a doença e as suas consequências sociais.

 

Contudo, o acesso à vacina não foi fácil, dada a resistência da “comunidade internacional”, ou seja, dos países convenientemente referidos como os países do Norte. Utilizando os seus maiores recursos financeiros, secaram o fornecimento de vacinas de empresas farmacêuticas localizadas nos seus territórios e também bloquearam, na OMC, qualquer opção que implicasse uma suspensão, ainda que provisória, das patentes. O único caminho aberto deixado por estes países foi o do multilateralismo caritativo, dos Estados, através da chamada ajuda ao desenvolvimento, e o das fundações dotadas por grandes empresas isentas de impostos.

 

Esta crise global de saúde encontrou um resultado sanitário inesperado, revelando novas relações internacionais. A China e a Rússia, encontram seu espaço como parceiros internacionais, antes anjos decaídos do mundo, compensando as deficiências e os bloqueios ocidentais impostos na América Latina. Consolidaram, assim, a posição significativa adquirida nos últimos anos através do seu comércio, investimentos, empréstimos bancários e fornecimento de armas.

 

Texto publicado originalmente em francês, em 15 de Fevereiro de 2021, na seção “Nos productions” da Fondation Jean Jaurès, com sede em Paris, com o título original “Paradoxes des urgences vaccinales en Amérique Latine”.

 

Tradução: Andrei Cezar da Silva e Simone G. Varella. Revisão: Luzmara Curcino e Pedro Varoni.

 

***

 

- Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso – UFSCar.

 

Referências

 

[1] N.T.: No início de março, conforme dados da Reuters, esses números aumentaram muito: 680.000 vítimas na América Latina, 515.000 nos EUA, 919.000 na Europa.

[2] N.T.: No início de março, conforme dados da Reuters, no Brasil já são 255.000 vítimas.

[3] N.T.: No início de março, conforme dados da Reuters, esses números se alteraram significativamente também: 186.000 no México, 59.000 na Colômbia, 52.000 na Argentina, 46.000 no Peru, e 15.800 no Equador.

[4] CEPAL, “Protección social para familias con niños y adolescentes en América Latina y el Caribe: un imperativo frente a los impactos del Covid-19”, Santiago do Chile, Dezembro de 2020.

[5] Caretas, publicação peruana semanal, 15 de Janeiro de 2021.

[6] Marie Delcas, Bruno Meyerfeld, Angelica Montoya, Aude Villiers Mariani, Maléna Reali, Frédéric Saliba, “En Amérique latine la course chaotique aux vaccins”, Le Monde, 30 de Janeiro de 2021.

[7] Pierre Salama, Contagion virale et contagion économique. Risques politiques en Amérique latine. Paris: Éditions du Croquant, 2020.

[8] Pierre Salama, op. cit.

[9] Carta Capital, 25 de julho de 2018.

[10] Caretas, 28 de Novembro de 2019.

[11] Tulio Vigevani, Marcelo Fernandes de Oliveira, “América Latina, vulnerabilidad social e inestabilidad democrática”, in Gilberto Dupas (org.). América Latina a comienzos del siglo XXI. Rosario: Homo sapiens, 2005.

[12] Constatamos “uma impossibilidade dos dirigentes políticos e das elites da região compreenderem que a instabilidade política é ligada […] à sua incapacidade […] de enfrentar o subdesenvolvimento econômico e as penúrias sociais” Cf. Riordan Roett, Francisco E. Gonzalez, “El papel de la política de alto riesgo en el desarrollo de América Latina”, in Francisco Fukuyama (org.). La brecha entre América Latina y Estados Unidos de América. Buenos Aires: Fondo de cultura económica, 2006.

[13] Thomas Piketty, Le capital au XXIe siècle. Paris: Seuil, 2013. Encontramos as mesmas considerações na obra de Hans Jürgen Burhardt, “¿Porque América Latina es tan desigual?”. Nueva Sociedad, Buenos Aires, n. 239, mai-jun 2014. Ler também: Marie-Carmen Macias, Un développement marqué par de fortes inégalités économiques et sociales. Numéro especial « Amérique latine », Questions internationales, n. 18, mar-abril 2006; e anda Pierre Salama, Le défi des inégalités, Amérique latine, Asie, une comparaison économique. Paris: La Découverte, 2006.

[14] CEPAL (ver nota 6), e Pierre Salama, op. cit.

[15] “Coronavirus en América Latina, Tenemos hambre”, in: Las razones detrás de las protestas contra la cuarentena en la región, BBC News Mundo, 22 de abril de 2020.

[16] Informe epidemiológico do Ministério da Saúde, n. 86/14, Janeiro de 2021.

[17] El Pais, Madri, 3 de Janeiro de 2021.

[18] El Pais, Madri, 6 de Janeiro de 2021. La Banque mondiale et le patronat brésilien ont fait un commentaire identique. Ver ainda El Pais, 6 de Janeiro de 2021, e Estadão, de 31 de janeiro de 2021.

[19] El Pais, Madri, “Las muchas velocidades de la vacuna”, 31 de janeiro de 2021.

[20] Aliança internacional, da OMS, para facilitar a produção e distribuição de vacinas. Participam do sistema Covax a Universidade de Queensland (Austrália), a alemã CureVac, a chinesa Clover Biopharma, três grupos dos Estados Unidos (Merck Themis, Moderna, Novavax) e do Reino Unido, AstraZeneca.

[21] BBC News Brasil, 29 de Janeiro de 2021, “Vacinas contra coronavírus. O Brasil poderia quebrar as patentes dos imunizantes para covid-19?”.

[22] “Los retos para una vacunación masiva contra covid-19 en América Latina”, Portofolio, 25 de Setembro de 2020.

[23] O México fez acordos desse tipo com empresas farmacêuticas da Alemanha (CureVac), da China (Cansino), dos Estados Unidos (Janssen, Novavax), da França (Sanofi), da Itália (Rei Thera), e da Rússia (Spoutnik V), conforme El Sol, 9 de Outubro de 2010.

[24] A Costa Rica começou a vacinar em 24 de Dezembro de 2020, com a Pfizer; a Argentina em 29 de Dezembro de 2020, com a Spoutnik V; o Estado de São Paulo, no Brasil, em 18 de Janeiro de 2021, com a Sinovac chinesa; o Equador, em 21 de Janeiro, com a Pfizer; o México, em 25 de Janeiro de 2021, com a Cansino chinesa e Spoutnik V; a Bolívia, em 29 de Janeiro de 2021, com a Spoutnik V; o Chile, em 31 de Janeiro de 2021, com a chinesa Sinovac.

[25] “Peut-on se fier aux vaccins russe et chinois?”, Le Parisien, 2 de Fevereiro de 2021; “Le lent décollage du vaccin Spoutnik V”, Le Monde, 22 de Janeiro de 2021; “Argentina se enreda con la vacuna rusa”, El Pais,19 de Dezembro de 2020.

[26] Ambito financiero Buenos Aires, 10 de Julho de 2020. Operação repetida em 9 de Outubro de 2020.

[27] María Belén Herrero, Beatriz Nascimento, “¿Que pasa con la cooperación latinoamericana en salud?”. Buenos Aires: Nueva Sociedad, Dezembro de 2020.

[28] El Pais, 22 de Outubro de 2020.

[29] André Schalders, “Tratamento precoce: governo Bolsonaro gasta quase 90 milhões em remédios ineficazes, mas ainda não pagou Butantan”, BBC News Brasil, 21de Janeiro de 2021.

 

Edição 1128, 9 de março de 2021

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/coronavirus-covid-19/paradoxos-da-urgencia-de-vacinas-na-america-latina/

 

 

https://www.alainet.org/es/node/211318
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