Quando o atalho é um descaminho
- Opinión
Ao que parece, a presidenta Dilma Rousseff decidiu abraçar a seguinte tese: caso o Senado rejeite o impeachment, ela se compromete a apoiar um plebiscito que decidirá sobre a realização de novas eleições.
A presidenta não tem o poder de convocar este plebiscito. Portanto, o que se está propondo é: caso o impeachment seja derrotado, Dilma apoiaria a realização de uma consulta na qual seria o povo, não o parlamento, quem decidiria sobre a continuidade ou interrupção do mandato presidencial conquistado em 2014.
A presidenta ainda não deixou totalmente claro que posição defenderia neste hipotético plebiscito (cuja aprovação exigiria maioria de 3/5 tanto no Senado quanto na Câmara, bem como a anuência da maioria do STF).
Dilma defenderia a realização de eleições presidenciais antecipadas, em data a definir?
Ou defenderia cumprir integralmente seu mandato, até as eleições de 2018?
Alguns dos defensores do plebiscito sobre novas eleições apresentam, em sua defesa, o seguinte roteiro de argumentos:
a rejeição a Temer não significa apoio à volta de Dilma;
a mobilização pelo Fora Temer não é grande o suficiente para ganhar a votação no Senado;
existem alguns senadores que votaram pela admissibilidade do impeachment, mas que acenam com a possibilidade de mudar seu voto, caso a presidenta abrace a tese do plebiscito por novas eleições;
uma vez de volta à cadeira presidencial, a presidenta poderia aplicar um novo programa de governo, que reataria seus laços com a população;
se tiver êxito na aplicação deste programa, poderíamos ganhar o plebiscito e assim realizar o mandato até o final.
Portanto -- claro, se tudo correr muito bem -- a proposta do plebiscito seria uma maneira de reconquistar não apenas o mandato, mas também reconquistar a maioria popular indispensável para governar.
Outros defensores do plebiscito reconhecem que, mesmo que a presidenta abrace esta proposta, continua muito difícil, quase impossível, ganhar no Senado.
Os principais motivos seriam: mobilização popular insuficiente e o fato dos golpistas terem meios à disposição & muita desfaçatez para influenciar quem porventura queira mudar de posição.
Mesmo assim, alguns defensores do plebiscito dizem que adotar esta proposta teria a vantagem de “nos dar discurso” e -- melhor ainda -- um discurso democrático: ao povo caberia a decisão.
Assim, se a maioria do Senado consumar o impeachment, poderíamos afirmar que foram duplamente golpistas: cassaram a presidenta eleita e impediram uma saída que devolveria ao povo a decisão.
Finalmente, muitos defensores do plebiscito explicitam o seguinte argumentos: a mobilização pelo Fora Temer ficaria mais fácil se não for acompanhada (implícita ou explicitamente) pelo “Volta Dilma”.
Há várias versões acerca de quais seriam os senadores dispostos a votar contra o impeachment, bem como há informações controversas acerca do seguinte: se a mudança de voto destes senadores estaria vinculada apenas ao compromisso da presidenta com o plebiscito ou se haveria outros fatores envolvidos, tais como apoio nas eleições municipais, participação no governo etc.
Por fim, o pano de fundo da proposta é a intenção de promover uma espécie de repactuação institucional, tendo como fiador desta repactuação a maioria do povo brasileiro, expressa no plebiscito e (se for esta a decisão) em eleições presidenciais antecipadas.
Salvo engano, nenhum dos defensores da proposta tem clareza sobre o impacto que a Operação Lava Jato, assim como a cassação de Eduardo Cunha, poderiam ter sobre o processo de impeachment, sobre a proposta de plebiscito e sobre eventuais eleições antecipadas.
Tampouco fica patente por qual motivo a proposta de plebiscito deveria ser apresentada exatamente agora, se a votação será provavelmente em agosto.
Embora, claro, isto pareça ter relação com a seguinte ideia: a crescente confusão institucional -- de causas variadas mas seguramente alimentado pela Operação Lava Jato -- poderia ampliar a simpatia, em setores da direita, pela tese de uma saída urgente para o impasse.
Ou seja: ao propormos o plebiscito sobre a antecipação, ao invés de "oportunisticamente" utilizarmos as debilidades do campo conservador para recuperar o mandato conquistado em 2014, estaríamos demonstrando "elevado espírito republicano", oferecendo uma saída eleitoral pactuada.
No papel, até parece funcionar.
Na vida real, há imensos problemas nesta proposta, que podem ser resumidos no seguinte:
1.De agora até a votação do impeachment, o movimento Fora Temer teria que abrir mão, ao menos parcialmente, dos argumentos em favor do "caráter pétreo" da legalidade e da legitimidade do mandato presidencial conquistado em 2014. Não há garantia de que esta mudança de posição seria compensada pela ampliação do movimento com setores favoráveis contrários a Temer, mas favoráveis a diretas já, fora todos etc.
2.Caso a presidenta abrace a defesa do plebiscito, será questionada sobre o mérito: defenderá ou não a realização antecipada de novas eleições? Caso diga que não defenderá a antecipação, como a presidenta enfrentaria o argumento de que a proposta de plebiscito visaria apenas enganar incautos, pois na verdade ela pretenderia voltar ao governo para tentar ficar até o fim do mandato? E caso diga que defenderá a antecipação, como a presidenta responderia ao argumento de que então sua volta seria desnecessária, uma vez que ela própria estaria admitindo antecipadamente --ao defender a antecipação-- que não deveria continuar o mandato até o fim?
3.Caso o Senado mantenha o impeachment, o argumento de que isto foi um ato golpista seria enfraquecido, uma vez que a própria presidenta teria admitido a hipótese de uma redução do mandato presidencial, desde que isto fosse feito por um instrumento que -- embora em tese democrático -- não está previsto na Constituição. Ou seja: se a "detentora" admite um método não previsto na Constituição para decidir sobre seu mandato, fica enfraquecido o argumento segundo o qual os métodos adotados pelo lado de lá seriam por definição golpistas. Noutras palavras, na prática um impeachment de fato poderia ocorrer mesmo sem crime de responsabilidade e isto não seria necessariamente um golpe.
4.A adesão a proposta de plebiscito, motivada pela rejeição popular ao "volta Dilma", não age sobre as causas desta rejeição popular. Pelo contrário, admite tacitamente que o governo Dilma seria indefensável. Portanto, em caso de derrota no Senado apesar da defesa do Plebiscito, o problema da rejeição não apenas estaria do mesmo tamanho, como estaria em certa medida ampliado pela abdicação em aproveitar a campanha do Fora Temer para defender a volta plena da presidenta legítima. E como a rejeição de Dilma contamina o PT, Lula e o conjunto da esquerda, a tática proposta nos levaria a perder uma oportunidade de enfrentar e tentar reduzir a rejeição que atinge -- em maior ou menor medida -- a todos/as.
5.Caso o Senado derrote o impeachment, os golpistas retomarão a campanha pela interrupção do mandato. A diferença é que a própria presidenta teria se comprometido com a realização de um plebiscito que decidirá a continuidade ou não do mandato. Ou seja: defender a redução do mandato não seria mais golpe, mas sim uma hipótese implícita no cumprimento de um acordo.
6.O novo governo Dilma, portanto, teria que atuar em condições institucionais e sociais tão ou mais difíceis que antes, entre outros motivos porque teria se convertido num "governo provisório". Nestas condições, teria disposição e meios para implementar o programa com o qual vencemos as eleições de 2014 (ou seja, teria a audácia que os golpistas vem tendo na implementação de um programa radical de direita, com a diferença de que o nosso foi vitorioso nas urnas)? Ou – na mesma linha de “dividir o lado de lá” que nos teria levado a abraçar a proposta de plebiscito— o novo governo Dilma acabaria adotando medidas que buscassem atender as demandas do mercado e da direita? Num caso e noutro, que impacto isto teria sobre o resultado do plebiscito e de eventuais eleições antecipadas?
7.Caso vença no Senado, caso o plebiscito seja aprovado e caso o governo perca o plebiscito, teremos sido enxotados do governo por uma maioria popular num instrumento que nós mesmos propusemos. Logo, arquive-se toda a argumentação acerca do golpismo.
8.Os golpistas, se vencerem o plebiscito, terão por tabela vencido o primeiro turno das eleições presidenciais de 2018. Isto, claro, se não aprovarem a proposta de parlamentarismo ou a proposta de ampliação da duração do próximo mandato presidencial (caso em que eleições antecipadas levariam não a um governo tampão, mas a um mandato que começaria agora e iria até 2022). Contra propostas deste tipo não poderemos argumentar o desrespeito à cláusulas pétreas, pois com a proposta do plebiscito para antecipação nós mesmos estaríamos propondo mudanças constitucionais.
9.Claro, na linha do pensamento positivo, poderíamos conquistar no plebiscito o direito de continuar governando. Foi o que aconteceu com João Goulart, que aceitou a emenda parlamentarista, tomou posse e venceu o plebiscito que restituiu o presidencialismo. Mas naquele caso, é bom lembrar, o golpismo não recuou. Quem recuou, em 1964, foram os setores populares que – por diversos motivos, entre os quais os efeitos colaterais da capitulação de Goulart ao parlamentarismo—não compareceram à resistência contra o golpe militar.
(Isto sem falar, é claro, do plebiscito que Allende queria convocar e que teve como resultado prático antecipar a data do golpe encabeçado por Pinochet. Que, é sempre bom lembrar, foi nomeado ministro porque era considerado um defensor da legalidade.)
10.Finalmente, ainda na linha do pensamento positivo, caso o impachment seja derrotado, caso o plebiscito seja convocado, caso haja eleições antecipadas, podemos vencer. Mas podem ser consideradas democráticas e podem ter um resultado favorável ao campo popular, eleições convocadas antecipadamente, neste ambiente de desmoralização da política, de manipulação midiática e de ofensiva geral contra a esquerda?
Pesando tudo, melhor seria ficar como estamos: Fora Temer e defesa dos direitos, na perspectiva de reconquistar a presidência derrotando o impeachment no Senado.
Caso ganhemos, teremos até 2018 para criar as condições de vitória em novas eleições presidenciais.
E, caso percamos, faremos oposição ao governo golpista na perspectiva de vencer as eleições de 2018.
Em ambos os casos, tendo que reconstruir nossas relações com a classe trabalhadora, reconstituir nossas organizações e refazer nossa estratégia.
Um caminho menos criativo, certamente.
Mas a busca por atalhos criativos não tem dado muito certo. Especialmente quanto o atalho nos conduz a insistir na linha do pacto e da repactuação com setores políticos e sociais que já demonstraram, por diversas vezes, que pretendem nos destruir.
Quinta-feira, 16 de junho de 2016
http://valterpomar.blogspot.com.br/2016/06/quando-o-atalho-e-um-descaminho.html
Del mismo autor
- Ensayo sobre cómo abrir nuevamente la ventana 16/04/2018
- Para não ficar no passado 24/04/2017
- 1917-2017: Socialismo em debate 13/02/2017
- Tempos de crise e guerra 09/11/2016
- Qual importância Temer dá aos BRICS? 28/10/2016
- Balance de una derrota, “Acerca de los epitafios” 12/10/2016
- Sobre os epitáfios 03/10/2016
- O vocabulário da luta 13/09/2016
- Viva a presidenta Dilma Rousseff!!! 29/08/2016
- Quando o atalho é um descaminho 17/06/2016