A cidade quer o fim da violência

16/06/2005
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Todos os dias, nos bairros pobres da capital de Santa Catarina, Brasil, morre um garoto. As notas nos jornais já nem fazem estardalhaço. Passou a fazer parte do cotidiano da vida da cidade. São números e iniciais registrados no IML. Vítimas do narcotráfico, esse câncer que engorda contas bancárias de figurões e provoca morte e sofrimento para as famílias de baixa renda. Os meninos e meninas, sem futuro visível, sem chance alguma de viver na dignidade, se perdem e acabam mortos. A ordem instituída diz que combate o crime, que desbarata quadrilhas. Mas, ao que se pode notar, o que a ordem faz é sumir com a conseqüência (os pobres que se fazem aviões ou traficantes de segunda mão). As causas permanecem. É o sistema do capital que mantém a sua premissa: para que um viva, outro tem que morrer. Os grandes traficantes seguem tomando champanhe e vivendo bem nas suas coberturas, enquanto nas comunidades empobrecidas os ditos "operários do crime" se matam entre si. Pois a ordem agora, em Florianópolis, numa guinada de interesses, resolveu esquecer o mundo do narcotráfico, do roubo, do assalto e montar barricada contra estudantes e populares que querem baixar o custo da passagem do transporte coletivo. A polícia militar montou barracas em frente a ponte, numa atitude patética, numa quebra de braço sem sentido. Dinheiro público sendo desviado para alojar e manter policiais montando guarda num bloco de cimento. Talvez, muito mais dinheiro do que precisaria para municipalizar a Cotisa. A ordem do poder tem seus mistérios (?). Chama de baderneiro quem luta por direitos, pequenos direitos. Um simples ir e vir que serve muito mais para alimentar a máquina do capital do que para a felicidade de cada um. O ir e vir que se reivindica é o de ir trabalhar e voltar para casa, quebrado de tanto vender sua força de trabalho. Já os estudantes querem ir para escola e vir para casa pensar formas de mudar o mundo, ou não. E a polícia, orientada pela ordem do governo do Estado, insiste em manter o jogo de guerra em que apenas uma parte tem exército armado. A guerra em Floripa é desigual. De um lado, garotos e garotas, secundaristas, universitários, sindicalistas, populares, tendo as mãos vazias, no gesto universal de paz e amor. Do outro a polícia, com todo o arsenal, prendendo indiscriminadamente, usando a força do uniforme. Reclamam do "vandalismo". Mas "quá". Quem é vândalo? O que reage à violência? A quinta-feira, dia 16, foi mais um dia no qual reinou a estupidez da violência. De um governo que se nega a ouvir a voz pacífica das ruas. De uma burotecnocracia que não pega ônibus para ir trabalhar. De uma administração que parece não ter estatura para governar uma cidade, porque incapaz da grandeza de reconhecer que errou ao acatar tão prontamente uma indicação (injusta) da Justiça, num dia de domingo. É hora de os secretários municipais chamarem o seu chefe à ordem - já que isso lhes é tão caro. A polícia nas ruas, batendo, prendendo, criminalizando um movimento pacífico e justo é gasolina no fogo. Daqui a pouco alguém morre, e aí? E como explicar à população que se vê acuada por tropas de choque quando sai do seu trabalho, no final da tarde, que a polícia ali está para manter o ônibus numa tarifa impagável? É hora de o prefeito mostrar que pode realmente governar a cidade. Que tire a polícia da rua, baixe a passagem e peite os empresários do transporte pelo bem da população. Essa é a única atitude digna agora, depois de tantos erros. Sempre é possível reconhecer que errou e tomar o rumo certo. Por que não fazê-lo? Chega a ser ridículo ver um homem público fazer queda de braços com estudantes. Já basta de violência. O estrago é grande demais. Essa nódoa não tem como se apagar, mas ainda há tempo de mostrar que a cidade é dirigida por alguém que tem capacidade de reconhecer que pode mudar o rumo, quando isso se faz necessário. - Elaine Tavares - jornalista no OLA/UFSC Acesse: www.ola.cse.ufsc.br
https://www.alainet.org/es/node/112341
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