O estado atual da globalização

10/06/2001
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O Forum Social Mundial de Porto Alegre significou uma mudança fundamental de ordem cultural: do "não há alternativas" ao "existe uma outra maneira de pensar a economia, a política, a cultura". Isso é um salto qualitativo de grande importância. No entanto, as expectativas atuais no mundo são as alternativas. Isso vai ser o desafio da reunião de Porto Alegre em 2002. Portanto, o Forum Social Mundial não pode converter-se num simples supermercado de alternativas. Por isso, necessita-se por um lado de uma coerência nas propostas, e por outro lado de uma visão ampla das alternativas. Deste ponto de vista parece importante pensar em 3 níveis de alternativas. Em primeiro lugar, consiste em reconstruir as utopias, não no sentido de coisas impossíveis, mas sim como objetivos mobilizadores. Trata- se de saber qual sociedade queremos, qual trabalho, qual educação, qual agricultura, qual comunicação, qual ética ? As utopias não caem do céu. Não podem ser senão o resultado de um trabalho de conjunto com o aporte de todos no mundo inteiro. O segundo nível é o das alternativas a médio prazo, quer dizer os objetivos que levam tempo, porque trata-se de um processo longo ou do resultado de duras lutas sociais, em função da resistência do sistema capitalista. O terceiro nível são as alternativas a curto prazo: o que é possível num tempo previsivel que pode ser mobilizador mesmo se ainda são objetivos parciais. Em função disso podemos recordar primeiro o que significa hoje a globalização, segundo quais são suas conseqüências e as resistências que se organizam, terceiro qual é a etapa atual da globalização e finalmente quais são as estratégias contra a globalização do capital. I. O que é a globalização hoje? Trata-se de um processo econômico com apoio político, militar e cultural. Trata se de uma nova etapa de acumulação do capital na sua fase neoliberal, que começou na metade dos anos de 1970, o que se chama de consensus de Washington. Tomamos a palavra globalização num sentido muito minuncioso, sabendo evidentemente que é uma realidade histórica e antiga, mas que tem tomado características específicas nos últimos 30 anos. A razão fundamental da colocação em marcha deste processo econômico foi a rentabilidade decrescente do capital, causada por uma diminução da produtividade. Esta última tinha permitido, depois da segunda guerra mundial, uma certa distribuição do produto social entre capital, trabalho e Estado. Em outras palavras, foi o fim do keynesianismo, ao qual se deve acrescentar o fracasso do desenvolvimento do Terceiro Mundo e finalmente a caida do socialismo real na Europa de Leste. Para aumentar de maneira acelerada sua acumulação, o capital teve que desenvolver 2 estratégias principais. 1- Fazer diminuir a parte do trabalho no produto social, o que se realizou por uma verdadeira ofensiva contra o trabalho: diminuição de sua parte no produto social, pela baixa do salário real; desregulamentação; deslocalizações; diminuição do seguro social; enfraquecimento das organizações trabalhadoras. 2- Fazer diminuir a parte do Estado como redistribuidor de riquezas e árbitro social, o que se fez pelas ondas de privatização, não somente dos setores econômicos, mas também dos serviços públicos, com as políticas de austeridade impostas pelas organizações financeiras internacionais, em particular pelo FMI (Programas de ajuste estrutural). Se analizamos os principais mecanismos da globalização econômica atual podemos notar os seguintes. Primeiro realiza-se uma integração dos processos de produção e de distribuição que não têm que levar em conta as fronteiras. Assistimos também a uma concentração da produção, da distribuição e da comunicação nas mãos de grandes empresas cada vez menos numerosas. O capital financeiro é o que predomina e finalmente existe uma extensão das fronteiras do capitalismo, tanto geográficas como tecnológicas. II. Conseqüências sociais ou culturais e resistências O processo de globalização tem como conseqüência uma série de destruições do atuar coletivo da humanidade. 1- Destruição da economía: Se a economia é a ação humana destinada a estabelecer as bases materiais da vida física e cultural de todos os seres humanos no mundo inteiro, o capitalismo é o sistema mais ineficaz da história humana. Nunca houve tantos pobres, nunca houve tantas distâncias sociais. Isso constitui a primeira base das revoltas e das resistências. 2- Destruição da natureza: A exploração com a idéia do proveito a curto prazo significa desastres ecológicos, tanto no clima como no esgotamento dos recursos naturais, o que tem provocado, nos últimos anos, o desenvolvimento de muitos movimentos ecologistas. 3- Destruição social que é dupla: a) Extensão das relações diretas capital/trabalho, o que quer dizer o assalariado, que agora extende se no mundo inteiro, mesmo se não de maneira majoritária em todos os setores da atividade coletiva. Movimentos sindicais e camponeses têm aparecido em novas áreas geográficas e em novos setores das atividades econômicas. b) Extensão da relação indireta capital/trabalho, que afeta sempre cada vez mais grupos sociais no mundo. Trata-se dos mecanismos indiretos da lógica da organização capitalista da economía, como a fixação dos preços das matérias primas, a dívida externa, a reexportação de capital, os paraisos fiscais, etc., todos os obstáculos ao verdadeiro desenvolvimento das economias locais e dos quais as conseqüências afetam bilhões de pessoas. É assim que assistimos a um número sempre maior de resistências e de movimentos sociais. Trata-se, por exemplo, das mulheres, particularmente afetadas pela feminização da pobreza e o aumento da violência ou simplesmente porque a lógica do sistema de exploração capitalista utiliza as relações de genêro em função de seus próprios interesses (por exemplo salários mais baixos, contabilidade nacional que não leva em conta o trabalho de reconstituição das forças produtivas realizado pelas mulheres, para falar em termos econômicos, etc.). Trata-se também das resistências dos povos indígenas, que são as primeiras vítimas das novas políticas econômicas e que em suas resistências redefinem seu sentido de identidade. Trata-se também dos movimentos de castas, na Índia, onde a luta dos Dalits (os sem castas) se multiplicaram desde o momento da adoção de uma orientação neoliberal. Trata-se também de movimentos de jovens. Trata-se também dos conflitos étnicos, muito ligados aos mecanismos macroeconômicos, como a caída de certos preços agrícolas, etc. Evidentemente não é o capitalismo que inventou o início do machismo ou o patriarcado, a opressão dos povos indígenas, as contradições de castas, os conflitos étnicos ou a marginalização dos jovens. Porém, o capitalismo - e isso pode se comprovar - agravou os conflitos e muitas vezes os utilizou para construir sua organização de trabalho e suas estratégias de absorção do sobreproduto. 4) Destruição cultural: Assistimos a um verdadeiro desvio do sentido da educação, dos meios de comunicação, da filosofia e mesmo das religiões, em função dos valores do capitalismo, com a definição própria que ele tem da modernidade, e pela instrumentalização dos aparatos culturais para apoiar seu projeto e legitimar seus objetivos. Também, como resistências neste domínio, notamos novos movimentos de idéias, resistências culturais, elaboração de teologias da libertação, etc. Ao mesmo tempo se desenvolvem movimentos culturais saudosistas, que se expressam em vários tipos de fundamentalismos, como mecanismos de defesa frente a uma modernidade que deprecia as tradições culturais. 5) Destruição política: A democracia, já relativamente limitada na perspectiva da organização política parlamentar, tem cada vez menos sentido, quando os poderes políticos, emanações dos votos populares, vêm seu poder de decisão diminuir, especialmente na ordem econômica. Em reação, assistimos também a novos esforços de descentralização das decisões, de democracia participativa, de reconstruição de uma política com bases populares. A situação pode definir-se, em resumo, dizendo que frente a um capitalismo que constrói as bases de sua reprodução mundial, graças às novas tecnologias, assistimos a um aumento, mas também a uma fragmentação das resistências e das lutas, tanto geográficas como setoriais. III. A etapa atual da globalização do capital Pode-se dizer duas coisas a propósito da etapa atual, que são bastante importantes para pensar a organização das resistências e sua mundialização. 1- O projeto neoliberal não está abandonado, mesmo se perdeu credibilidade. Está fragilizado, porque tem estratégias relativamente a curto prazo. Isso manifesta-se em diferentes aspectos: - economicamente: o sistema financeiro; o sistema de produção e os serviços públicos... - ecologicamente: os limites ecológicos são cada vez mais visíveis... - socialmente: o aumento da pobreza e das distâncias sociais, das migrações... - culturalmente: crítica intelectual, artística e popular do sistema... 2- O capitalismo adota agora novas estratégias em vários setores: - estratégias econômicas: passa-se progressivamente do neoliberalismo puro e duro a um neoclassicismo, centrado sobre a reconstrução de condições de competência pelo meio de novas regulações (relegitimação do Estado). - ecologia: adotam-se algumas medidas de urgência (protocolo de Kyoto)... - estratégias sociais: existem políticas combinadas de luta contra a pobreza, o que foi iniciado pelo Banco Mundial; cooptação das ONGs, das associações volontárias, das Igrejas e das religiões, para diminuir suas forças de resistência e obter uma legitimação; repressão administrativa e pouco a pouco também policial, sem falar do aspecto militar em assuntos internacionais. - estratégias culturais: adoção da linguagem ecológica e dos conceitos utilizados pelas resistências, como sociedade civil, democracia participativa, etc., transformando e manipulando o sentido dos conceitos. IV. As estratégias de luta contra a globalização do capital Em grandes linhas, podemos expor uma proposta da estratégia iniciada e a desenvolver no futuro imediato. 1) Deslegitimar o sistema, não somente com condenações de seus abusos, o que fazem várias entidades éticas, como as doutrinas sociais das religiões, mas também denunciando as lógicas do sistema capitalista que constituem as bases das várias destruições. 2) Construir a convergência de lutas antisistêmicas, cada uma salvaguardando sua especificidade, porém também entendendo seu lugar no conjunto. 3) Formular alternativas realmente populares, que interessam a maioria do povo, os três níveis expressados: utopias, médio prazo e curto prazo. 4) Encontrar novas fórmulas de expressão política, também sob a forma de convergências, porque os quatro aspectos, econômicos, ecológicos, sociais e culturais têm todos uma dimensão política e porque sem a presença desta dimensão, não se pode chegar a soluções eficazes. 5) Não se deixar marginalizar pelo sistema econômico e político, quer dizer aceitar de ser reduzido a um rincão onde se pode tomar a palavra e expressar opiniões e não se deixar "folclorizar", especialmente pelos meios de comunicação que sublinham alguns tipos de violência ou de expressões culturais aparentemente "raras". 6) Construir o sonho de que é possível termos uma sociedade baseada na solidariedade, superando tudo o que significa o capitalismo e o individualismo. * Centre Tricontinental, Forum Mundial das alternativas. Análises de conjuntura internacional feita em junho de 2001, na reunião do comité internacional do FSM, São Paulo, Brasil.
https://www.alainet.org/es/node/105217
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